Artigo: Mortalidade materna em tempos de pandemia
Por: Paula Sant’Anna M. de Souza
Defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) em São Paulo
Lívia Martins Salomão Brodbeck
Defensora pública e coordenadora do Nudem no Paraná
Em julho de 2020 duas pesquisas científicas confirmaram o que muitas mulheres brasileiras já sabiam desde a epidemia do zika vírus: ser gestante, pobre e negra durante uma emergência de saúde é ser invisível, não ter direito à assistência de saúde de qualidade e morrer por isso.
O International Journal of Gynecology and Obstetrics divulgou que 124 mulheres grávidas e puérperas (pós-parto) morreram no Brasil por questões relacionadas à Covid-19 entre fevereiro e junho, o que corresponde a 77% dessas mortes no mundo.
A revista científica Clinical Infectious Diseases, da Universidade de Oxford, concluiu que a probabilidade de uma mulher negra e gestante morrer por Covid-19 é de 17%, enquanto entre as mulheres brancas é de 8,9%. Outros estudos disponíveis sugerem que grávidas com sintomas de Covid-19 têm risco aumentando de doença mais grave em comparação com mulheres não grávidas.
Em janeiro deste ano, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, do Ministério da Saúde, que até então contraindicava a administração das vacinas para gestantes, puérperas e lactantes, as incluiu como “grupo especial” e orientou que elas devem ser informadas sobre os dados de eficácia e segurança das vacinas e que sua decisão, em conjunto com o profissional da saúde, deve considerar, entre outros fatores, o nível de potencial contaminação do vírus na comunidade. O plano também criou novos grupos prioritários, mas gestantes, puérperas e lactantes ficaram de fora.
O modelo foi atualizado em fevereiro, mas manteve as mesmas diretrizes. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) emitiram documentos técnicos esclarecendo que as vacinas de vírus inativados, tais como Coronavac e Astrazeneca/Oxford, são semelhantes aos imunizantes que anteriormente já eram recomendados às gestantes, como, por exemplo, a vacina da gripe.
Recomendam que, devido ao risco de maiores complicações apresentadas pelas gestantes/puérperas dos grupos que até o momento são definidos como prioritários, elas poderão ser vacinadas. Assim, com o objetivo de visibilizar os direitos das mulheres e ampliar o debate sobre este tema, os Núcleos de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher das Defensorias Públicas de 16 estados encaminharam ofício ao Ministério da Saúde questionando quais evidências científicas embasaram a decisão de não incluir este grupo como prioritário no plano de vacinação nacional, apesar da mesma pasta, desde abril de 2020, as considerar como grupo de risco para a Covid-19.
A garantia da saúde das mulheres passa efetivamente pela perspectiva de que os cuidados dispensados às gestantes e puérperas sejam baseados na ciência, mas também requer que não nos silenciemos diante das evitáveis mortes das mulheres mais vulneráveis.