O projeto “Economia do Cuidado: A consideração do trabalho não remunerado para fins de remição de pena”, de autoria da assistente social Nilva Maria Rufatto e da defensora pública Mariela Reis Bueno, foi o vencedor da Categoria Defensoria Pública da 20ª. edição do Prêmio Innovare. O troféu foi entregue às autoras da tese pelo ministro Alexandre de Moraes. As práticas vencedoras e homenageadas da 20ª. edição foram anunciadas nesta terça-feira (12), no Salão Branco do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF). A premiação, que já foi chamada de Oscar da Justiça brasileira, trouxe muita emoção e expectativa aos responsáveis pelas 15 iniciativas homenageadas e premiadas, criadas por profissionais que, com criatividade e dedicação, buscam trazer a justiça para mais perto da população.
“É um reconhecimento de repercussão nacional para uma tese com um tema tão importante, a Economia do Cuidado. Todos nós, colegas, defensores e servidores, estamos muito felizes com esse trabalho da Nilva e da Mariela”, afirmou André Ribeiro Giamberardino, defensor público-geral do Paraná, que também esteve presente na cerimônia.
Para a defensora pública premiada, a premiação permite que outras Defensorias Públicas conheçam e apliquem a tese, e é um reconhecimento importante para as mulheres que estão inseridas nos trabalhos da Economia do Cuidado. “Esse é um passo muito relevante para todas as mulheres que já foram e para todas as mulheres que virão”, ressalta Bueno.
Nilva Maria Rufatto acredita que a premiação pode contribuir para aumentar o número de mulheres beneficiadas pela iniciativa, dada a visibilidade que o Prêmio Innovare confere às práticas. “É muito importante podermos estar neste espaço tão valoroso, com essa prática reconhecida, porque entendemos que é uma oportunidade real de enfrentamento da desigualdade de gênero dentro do sistema de justiça criminal”, destaca Sell, que pesquisa o tema na universidade e no momento finaliza sua dissertação de mestrado sobre a Economia do Cuidado.
A prática
A prática premiada da Defensoria Pública do Paraná nasceu de um estudo social em presídios na região de Guarapuava, com o objetivo de buscar a igualdade nos tratamentos para as apenadas, e que trouxe à tona uma realidade que torna praticamente impossível a remição de pena para mulheres. Observou-se que várias delas não tinham essa possibilidade, porque as funções historicamente atribuídas às mulheres, tais como o cuidado doméstico em casa, o cuidado com os filhos ou pais, só contam para a remição de pena se forem exercidas fora de sua residência.
O trabalho foi, inclusive, escolhido para o primeiro lugar no Encontro Anual de Teses e Concursos da Defensoria Pública do Estado do Paraná. Com isso, foi institucionalizada, devendo agora ser observada por todos os defensores do Estado.
Uma pesquisa feita pela World Female Imprisonment List, no final de 2022, revelou que o Brasil tem a terceira maior população carcerária feminina do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. São cerca de 43 mil mulheres presas, na maioria das vezes por tráfico de drogas, de acordo com dados de um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa em Políticas Criminal e de Justiça (ICPR), da Birkbeck College, de Londres, no Reino Unido.
Durante a reunião da Comissão Julgadora do Prêmio Innovare, a prática foi defendida pela defensora pública do Estado do Rio Grande do Sul Patricia Kettermann. Ela destacou a facilidade de replicação e o impacto que pode causar nas instituições penais.
“Esse é um projeto muito interessante, sem custo nenhum, que pode ser replicado com maior facilidade. Inclusive, ele já começou a ser replicado, porque trata-se de uma tese judicial, mas que tem um impacto muito grande nas instituições penais. Ele considera os cuidados com os filhos, a limpeza da casa, como atividades laborativas, que de fato o são, embora não remuneradas”, afirmou.
Como funciona?
As coordenadoras do projeto identificaram a necessidade de apoio às detentas a partir dos atendimentos sociais realizados às mulheres, que deram origem a um estudo social, detalhando o contexto das mulheres monitoradas. Em seguida, foi realizada uma consulta à Escola da Defensoria Pública sobre a viabilidade jurídica do pedido, que retornou com parecer favorável.
A equipe seguiu com um levantamento sobre os dados das mulheres com monitoramento eletrônico em Guarapuava, onde as presas são, em sua maioria, jovens, periféricas e não brancas, mães solo, em situação de pobreza e insegurança alimentar. A maioria delas responde por crimes relacionados ao tráfico de drogas e não tem acesso à possibilidade de autonomia financeira, exercendo como único trabalho o doméstico e do cuidado, portanto, sem remuneração, sem remição, sem garantias previdenciárias, entre outros.
A partir daí, elaborou-se petição judicial para os pedidos, com base nos conceitos teóricos e analíticos da “Economia do Cuidado”, pela defensora pública Mariela Reis Bueno. A rede socioassistencial, formada pelo Conselho da Comunidade, Complexo Social, Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, entre outros foi convidada a atuar na demanda.
Em seguida, foi reorganizado o estudo social para compor e subsidiar a peça jurídica a ser encaminhada nos processos das mulheres de Guarapuava, com alinhamento de estratégias com a equipe técnica e jurídica da DPPR – sede de Guarapuava. Atualmente 125 presas estão sendo monitoradas e com situações em análise para inclusão na prática.
Na última segunda-feira (11), mais um município do Paraná institucionalizou a remição de pena por trabalho doméstico. Desta vez, Maringá, no interior do estado. O convênio foi firmado pela Defensoria Pública com a Vara de Execuções Penais, Medidas Alternativas e Corregedoria dos Presídios da Comarca, por meio do magistrado Fábio Capela, com a 7º Promotoria de Justiça do Paraná, representada pela promotora de justiça Valéria Seyr, e com a 5ª Regional do Departamento de Polícia Penal do Paraná (DEPPEN-PR), por meio do coordenador regional Júlio Cesar Vicente Franco. O documento segue o mesmo modelo já implementado em Guarapuava.
Sobre o Prêmio Innovare
Criado em 2004, o Prêmio Innovare é uma realização do Instituto Innovare. Tem como objetivo o reconhecimento e a disseminação de práticas transformadoras que se desenvolvem no interior do sistema de Justiça do Brasil, independentemente de alterações legislativas. Mais do que reconhecer, o Innovare busca identificar ações concretas que signifiquem mudanças relevantes em antigas e consolidadas rotinas e que possam servir de exemplos a serem implantados em outros locais.
São parceiros da premiação o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministério da Justiça e Segurança Pública, através da Secretaria Nacional de Justiça, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Com informações da ASCOM da DPE-PR e do Instituto Innovare