O Nucidh (Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos) e o Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), núcleos especializados da DPPR (Defensoria Pública do Paraná), que são coordenados respectivamente pelas Defensoras Cinthia Azevedo e Eliana Lopes, conseguiram uma decisão favorável para garantir a participação de uma criança transgênero no Campeonato Sul-Americano de Patinação Artística.
M. J, de 11 anos, é federada pelo Estado do Paraná e foi impedida, após se classificar em segundo lugar no campeonato brasileiro, de competir pela Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação.
A alegação da entidade é que a documentação da competidora, que consta nome e gênero masculino, não está de acordo com a categoria pretendida pela menina.
Atuação dos Núcleos Especializados
Em 2017, a DPPR atuou para que a menina pudesse participar da Copa Mercosul de patinação artística e desde então ela compete profissionalmente. Em 2018, a família da M.J procurou a Defensoria novamente para pleitear a retificação do nome e gênero na sua certidão de nascimento.
No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que pessoas maiores de 18 anos podem fazer alterações de nome e de gênero em seus documentos diretamente nos cartórios, independentemente de cirurgia de mudança de sexo, laudo médico ou autorização judicial. A resolução é regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça.
“Como se trata de uma criança, tivemos que entrar com uma ação na Vara da Família para fazer as alterações na certidão de nascimento da menina”, explicou Eliana.
Para assegurar a participação no campeonato, como a ação de retificação do nome ainda está em trâmite, os núcleos propuseram uma tutela provisória de urgência antecipada perante a 2ª Vara Cível do foro central de São Paulo, onde está sediada a Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação. O Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo e a Defensoria Pública da União auxiliaram no processo.
“Felizmente, no dia 11 abril, o juiz em uma decisão sensível concedeu a tutela para que a menina participe da competição. Ele alegou que apesar de existir uma ação em trâmite, não se pode afastar o direito da criança de participar do campeonato e que as confederações que regulamentam o esporte não podem criar obstáculos”, disse Eliana.
“A participação da M.J no campeonato representa um exemplo de perseverança e ajuda outras a entenderem que existem direitos humanos e estes devem ser respeitados. Talvez a nossa história crie precedentes para que outros pais compreendam seus filhos. As crianças trans não nascem com 18 anos, por isso, elas precisam ser acolhidas e amadas”, contou Cleber Reikdall, pai da atleta.
O embasamento do juiz também apontou que crianças transgênero, em competições esportivas, não apresentam alterações hormonais e que a testosterona está dentro dos limites estabelecidos pelo Comitê Olímpico Internacional e não gera impedimentos para a participação da menina.
“Qualquer desrespeito e atitude discriminatória durante as competições, as Confederações podem juridicamente sofrer ação de indenização por danos morais por criar qualquer tipo de obstáculo na participação da menina”, concluiu a Defensora.
O campeonato está acontecendo em Joinville, Santa Catarina, de 19 a 30 de abril. M. J está competindo.
A história da M. J
M. J é filha há três anos de Gustavo Cavalcanti e Cleber Reikdall por meio de um processo de adoção junto com outros dois irmãos.
Cleber contou que M. J demonstrava insatisfação com sua aparência masculina e após um mês da adoção começou a pedir para vestir as roupas da irmã.
“Ela chegou a furar a própria orelha sozinha com o brinco. Então, decidimos levá-la ao médico que a diagnosticou com disforia de gênero. A partir desse dia, ela passou a ter acompanhamento com psicólogos e uma equipe multidisciplinar do Hospital de Clínicas de São Paulo. Hoje, ela se identifica plenamente com o gênero feminino e toda a nossa família acolhe e respeita a decisão dela”, afirmou Cleber.