Confira o discurso que a Defensora Pública Jeniffer Beltramin Scheffer fez durante a posse popular dos novos Defensores Públicos do Paraná que aconteceu no dia 14 de abril, em Curitiba.
Discurso de posse
Por Jeniffer Beltramin Scheffer
Boa noite!
No dia 13 de maio de 2014 o menino Bernardo foi brutalmente assassinado pelo seu pai, que lhe ministrou remédio em grande quantidade, pela sua madrasta que levou o seu corpo para ser enterrado em outro município, com a participação inclusive de uma assistente social do município. Bernardo havia pedido ajuda para que o poder público o retirasse da casa de seu pai onde sofria constantes maus tratos e ameaças. O pai de Bernardo era médico conhecido na cidade e nada foi feito para afastar ele de casa.
Nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
No ano de 2014 diversas rebeliões aconteceram no nosso estado deixando mortos e feridos. As demandas dos presos são sempre as mesmas e a mais básicas: alimentação, saúde, condições de habitação e higiene, tortura e maus tratos nas unidades. Contudo, sabemos que há muito mais por trás destas revoltas que estas simples demandas. Encarceramos muito e encarceramos muito mal. Não há impunidade no país, mas sim uma punibilidade seletiva, ou seja, temos uma clientela penal definida por cor e classe social. E isto não é culpa exclusiva do sistema de justiça, que inclui polícia, ministério público e judiciário. A população apoia e chancela estas injustiças, muito porque é manipulada por uma mídia descomprometida com a verdade e com a pluralidade social.
Mais uma vez nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
No dia 29 de abril de 2015 uma manifestação de professores e outros servidores públicos estaduais contra o saqueamento da previdência estadual, foi violentamente repreendida pela polícia militar, deixando mais de 200 feridos. Bombas foram lançadas do helicóptero da polícia, e os gazes chegaram até uma creche nas redondezas deixando as crianças em pânico!
Nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
No dia primeiro de agosto de 2015 seis haitianos foram alvejados, foram atacados com armas de fogo, por quatro pessoas no centro de São Paulo. Antes de atirar, um deles gritou: “Haitianos, vocês roubam nossos empregos”. No mesmo dia outros dois haitianos foram baleados em outro ponto da cidade.
Nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS novamente!
No dia 27 de dezembro de 2015 um grupo de jovens jogou gasolina e ateou fogo em Natasha, travesti moradora de Curitiba. No dia 24 de fevereiro deste ano Natasha morreu em decorrência das queimaduras de segundo e terceiro graus.
Nós, de novo, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
No dia 30 de dezembro de 2015 uma criança indígena foi assassinada a facadas enquanto mamava nos seis de sua mãe que estava sentada em frente à uma rodoviária numa cidade catarinense. Os direitos dos indígenas são constantemente, diariamente violados. Eles estão sendo massacrados e há inclusive casos de suicídios em massa.
Nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos dos indígenas estamos FALHANDO CONSTANTEMENTE!
No dia 27 de março deste ano dois moradores de rua foram alvejados, foram atacados com arma de fogo, por pessoas que se dizem “de bem”, “de bem”, mas que em nome de uma moral própria acabam aniquilando direito alheio, não só direitos mas a própria vida que é hoje nosso direito mais caro. Um deles faleceu no caminho para o hospital. Nos comentários de certo veículo de comunicação havia várias pessoas apoiando esta forma de higienização social.
Nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
No dia 6 de abril de 2016 uma cas Casas do Piá de Curitiba, que acolhe meninos de 7 a 14 anos, foi invadida por homens armados. Estes homens ameaçaram meninos e funcionários do local com o fim de expulsar a casa daquela localidade. Em menos de 2 meses esta é a 4a casa invadida por bandos de encapuzados.
Novamente nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
No dia 7 de abril deste ano dois integrantes do Movimento Sem Terra foram assassinados por um grupo composto pela PM e jagunços armados da empresa que está possuindo terras griladas em disputa, onde se localiza o acampamento do MST. Outras 8 pessoas ficaram feridas. Além da absurda ação da polícia gostaria de atentar para a cobertura da imprensa no episódio, que inocenta prontamente os policiais e seguranças da empresa e criminaliza os integrantes do movimento, e ainda faz uso do fato trágico para atacar alguns setores políticos. Aqui cabe muito bem a célebre frase de Malcom X que diz o seguinte: “Se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo.”
Nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
O Estado do Paraná é o terceiro estado no ranking de violência contra a mulher. Nossos índices são piores que a média nacional. As mortes de mulheres estão concentradas na faixa etária de 20 a 29 anos e a grande maioria dos assassinatos acontece dentro de casa.
Por último aqui, mas não pela última vez, nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos FALHAMOS!
Estes 10 casos aqui trazidos são somente alguns dos casos que aconteceram recentemente em que grupos mais vulneráveis da sociedade são atacados implacavelmente por indivíduos ou grupos sem qualquer compromisso com uma sociedade plural, fraterna e livre.
Contudo, nós, como sociedade e representantes de órgãos públicos de proteção de direitos não só falhamos. Há acertos também, e os acertos devem ser comemorados!
A proteção de crianças e adolescentes melhorou muito nas últimas décadas. Tanto conselhos tutelares quando a própria sociedade estão mais pró-ativos nesta questão. Hoje olhamos para crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não mais como mero objetos de proteção.
Com relação à massa carcerária, a Defensoria Pública tem trabalhado muito para melhorar a condição dos presos e presas. Sendo que alguns locais foram até interditados por falta de condições de habitação. A DPE também teve um papel essencial nas negociações das rebeliões de 2014. Hoje os presos podem contar com a assistência jurídica, apesar de ainda deficitária em função do número ínfimo de defensores públicos.
Com relação ao massacre dos professores a DPE ajuizou uma ação pedindo a revisão dos procedimentos policiais em manifestações!
Com relação à população LGBT, alguns avanços sobre o nome social e troca de nome também foram alcançados. Hoje, o Tribunal de Justiça do Paraná já está aceitando a mudança de nome sem exigir a cirurgia de troca de sexo. Há também portarias do ministério da saúde e educação que obrigam escolas, faculdades e o sus ao uso do nome social. Apesar de que sabemos que esta população sofre violência diariamente e há uma fila imensa para a cirurgia de troca de sexo.
A partir de ontem, dia 13, os moradores de rua ganharam um tipo de locker, um lugar para guardarem seus pertences. O projeto é capitaneado pela Fundação de Assistência Social, a FAZ. Mais uma das vitórias que nós temos que comemorar.
Outro avanço para a população de rua de Curitiba é a instituição de longa duração, a Casa do Vovô, que começou a funcionar no dia 3 deste mês. A casa recebe idosos em situação de rua que agora tem um lugar para chamar de seu.
A Defensoria Pública tem trabalhado constantemente com os pescadores artesanais do litoral a fim de garantir o direito à pesca e sustento de suas famílias.
A Defensoria Pública tem alguns projetos de combate à violência contra a mulher. A defensoria é essencial para o empoderamento das mulheres, das mulheres em situação mais vulnerável, das mães, das pobres, negras, índias, quilombolas, trans, enfim, para todas as mulheres.
No entanto, apesar dos avanços ora enumerados, estamos vivendo uma caça constante aos direitos fundamentais humanos e aos direitos sociais. Neste sentido são as pessoas mais vulneráveis aqui representadas pelos movimentos, desprotegidas, e são as primeiras a perderem o pouco de direito que ainda lhes restam.
Tanto no plano concreto, como nos constantes linchamentos, milícias e grupos de justiceiros, como no plano legislativos com um congresso nacional reacionário e conservador, os direitos individuais sociais e coletivos dos brasileiros estão sendo sistematicamente desmantelados, e que foram conquistados a duras penas.
Muitas das vezes a defensoria pública é a última opção para os indivíduos e grupos vulneráveis para evitar maior sequestro de seus direitos.
Assim, e enfim, nós estamos aqui reunidos esta noite com o objetivo de nos apresentarmos para os movimentos sociais. Eu represento aqui neste momento os 36 novos recém empossados defensores públicos e eu queria dizer para vocês integrantes e líderes e demais integrantes dos movimentos sociais: venham até nós, nos conheçam pelo nome, olhem para nossos rostos, nos constranjam se for preciso. Porque nós estamos aqui não é para outra coisa a não ser para lutar por vocês, para lutar pelos direitos de vocês. Exijam a nossa atuação firme. Nos cobrem, diariamente se preciso. Porque aqui nós estamos aqui para defensorar a causa de vocês. Nós estamos aqui para defensorar!
Obrigada!