Artigo: Dia internacional de luta das mulheres: 8 de março de 2021 e a pandemia
Esse 8 de março vai ser diferente não só porque não estaremos nas ruas, mas porque há muito tempo a luta não se mostrou tão desafiadora
Por Lívia Martins Salomão Brodbeck, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos direitos da Mulher (NUDEM) da Defensoria Pública do Estado do Paraná
8 de março de 2020, Curitiba/PR. Em um dos últimos dias antes do início oficial da pandemia da COVID-19, os movimentos feministas organizaram, como todo ano, um lindo evento, dessa vez no bairro Parolin, com o tema “As mulheres da favela pedem paz”. Consigo ainda ouvir as palavras de ordem sendo ecoadas, as músicas nos batuques, os lenços verdes e roxos, os cartazes, e a força feminina pujante. Foi um dia marcado pela esperança. Em poucos dias a pandemia iria eclodir, e com ela uma crise de saúde sem precedentes, que levou a uma crise econômica, social e humanitária.
8 de março de 2021. Um ano de pandemia, que nunca esteve tão forte. Essa semana, no Brasil, chegamos ao recorde diário de 1.910 mortes. Insegurança, medo e cansaço imperam em todas as cidadãs e todos os cidadãos brasileiros. E, como não poderia ser diferente, a pandemia atinge com ainda mais força as mulheres. Organismos internacionais como a ONU alertam para o fato de que a vulnerabilidade das mulheres aumentou em diversas pandemias, como a do Zika vírus e a do Ebola, e o mesmo se repetiria com a da COVID-19.
Mesmo com os alertas, não era possível ter a dimensão dos impactos da pandemia para as mulheres, que são avassaladores. Em primeiro lugar, é importante ter em mente que a linha de frente de cuidado da COVID é feminina: de acordo com a pesquisa “Perfil da Enfermagem no Brasil”, 84,6% dos profissionais de saúde de enfermagem são mulheres, e são elas que estão, dia a dia, cuidando dos doentes e arriscando serem infectadas.
O distanciamento social, os lockdowns e a necessidade de permanecer em casa para evitar a contaminação rápida do vírus aumentaram o risco a que mulheres estão submetidas, pois a casa não é um lugar seguro para elas: os índices de violência doméstica e familiar e de feminicídios cresceram durante esse período, mesmo quando consideramos a evidente subnotificação decorrente do isolamento domiciliar. O fechamento das escolas obrigou as mulheres, que histórica e socialmente são as designadas como responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos, e dos idosos, a ficar em casa, perdendo seus empregos e tendo que dar conta de tudo simultaneamente. As mulheres perderam mais empregos do que homens nesse período — queda de 7,5 pontos na parcela de mulheres que estavam no mercado de trabalho versus 6,1 entre os homens, segundo dados do IPEA –, e a saúde mental delas está em colapso.
O Brasil é o país em que há maior mortalidade de gestantes e puérperas pela COVID-19, representando, em junho de 2020, 77% do total de mortes nesse grupo em todo o mundo. Hoje em dia, contabilizam-se mais de 506 gestantes e puérperas que faleceram por essa doença. Esses grupos não foram incluídos como prioritário no calendário de vacinação pelo Ministério da Saúde. Além disso, o direito ao acompanhante delas no período do parto tem sido sistematicamente negado, notadamente em maternidades públicas que atendem pelo SUS. O acesso a contraceptivos e ao serviço de aborto legal, que já eram um grave problema social pré-pandemia, também tem sido dificultado pela crise.
Todos esses impactos são ainda mais fortes para as mulheres pobres, pretas e periféricas. Estudos indicam que a probabilidade de uma mulher preta e gestante morrer por COVID-19 é de 17%, enquanto que entre as mulheres brancas é de 8,9%. As mulheres que perderam empregos informais e de cuidado são em sua maioria de baixa renda. O fechamento de escola impacta de forma mais severa as mulheres pobres, que não têm como terceirizar o serviço de cuidado e precisam largar o emprego para cuidar dos filhos, já que em sua grande maioria não tem a opção pelo home-office.
Esse 8 de março vai ser diferente não só porque não estaremos nas ruas, mas porque há muito tempo a luta não se mostrou tão desafiadora. Hoje não ecoa em minha cabeça as palavras de ordem dos movimentos feministas, mas sim uma frase de Simone de Beauvoir, líder paradigmática do movimento de mulheres, que é essencial para entendermos o que está ocorrendo: “Nunca se esqueça de que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”.