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Na mídia: Após uma década de criação, Defensoria ainda está ausente em 89% das comarcas paranaenses

Fonte: Folha de Londrina 

Foto: Gustavo Carneiro

Após uma década de criação, Defensoria Pública ainda está ausente em 89% das comarcas paranaenses

Estudo divulgado este mês pelo Ipea mostra que a abrangência do órgão destinado à população de baixa renda é a segunda pior do País

O Paraná foi destaque negativo de um estudo nacional elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep).

O 2º Mapa das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital no Brasil em 2019/2020, divulgado este mês, aponta que o órgão estadual estava estruturado em apenas 18 das 161 comarcas, uma abrangência de 11%, superior apenas a de Goiás, que no período contava com defensores públicos em apenas 4% das circunscrições administrativas da Justiça. No Rio Grande do Sul, com população semelhante, 73% das comarcas dispunham de, ao menos, um defensor.

Destinada prioritariamente às famílias com renda de até três salários mínimos, a Defensoria contava na coleta da pesquisa com um advogado para cada 84 mil paranaenses em vulnerabilidade social, a pior proporção do País. Para efeito de comparação, no Distrito Federal cada defensor atendia, em média, uma população 10 vezes menor.

De acordo com parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Justiça em 2015, o recomendado é um profissional para cada 10 mil habitantes. Neste caso, o déficit no Paraná alcançava 741 servidores no fechamento da pesquisa.

Conforme a Constituição, a Defensoria é uma “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º”, aquele que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. A Carta Magna, no seu artigo 134, define o órgão “como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”.

Outro estudo publicado em maio, a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2021, parceria entre o Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege), o Conselho Nacional dos Corregedores Gerais (CNCG) e a Defensoria Pública da União, revela que o número de atendimentos em 2019 foi de 87.609, enquanto no ano passado o volume alcançou 125.853, aumento de 43,6%.

De acordo com a assessoria de comunicação da Defensoria, este crescimento está relacionado com a nomeação de mais 33 defensores em 2018 e 2019, além dos reflexos da pandemia, que ao mesmo tempo aumentou a necessidade das famílias mais pobres por representação legal e forçou o aprimoramento dos canais eletrônicos de atendimento, o que facilitou o acesso.

O levantamento mostra que quase três quartos dos defensores avaliam o volume de trabalho “excessivo” ou “muito excessivo” e também que 5,3 milhões de paranaenses não têm condições de contratar um advogado particular e não podem contar com defensores públicos na comarca em que vivem. O mesmo documento revela ainda que a dotação orçamentária do órgão – que tem autonomia administrativa e funcional – foi de R$ 71 milhões em 2020 (este ano o valor incluído na Lei Orçamentária Anual subiu para R$ 72 milhões).

Sobre a carência estrutural que fica flagrante ao analisar os dois estudos, a Defensoria se manifestou por nota. “Atualmente a Defensoria Pública do Paraná conta com 108 defensores e está presente em 18 das 161 comarcas do Estado, atendendo a demanda de 57 dos 399 municípios, nas áreas de Família, Criminal, Execução Penal, Cível, Infância e Juventude, Fazenda Pública. Em 2020 foram realizados 123.901 atendimentos, que geraram 425.446 procedimentos, sendo a maior parte na área de família”, informa.

“A Defensoria Pública do Estado do Paraná, já têm protocolos internos para abertura do terceiro concurso para o quadro de servidores e para o quarto concurso para o quadro de defensores. Os processos para os concursos passaram por um período de interrupção, por conta da pandemia, mas em breve serão abertos os respectivos editais”, esclarece a nota. O texto sugere ainda que o déficit atual pode ser explicado pela origem tardia do órgão: “a Defensoria Pública do Paraná, teve sua criação em 2011 pela Lei Estadual 136/2011, sendo o Paraná o penúltimo Estado a implementar a Instituição. Os primeiros defensores públicos, oriundos do primeiro concurso, começaram a ser nomeados em outubro de 2013. A partir daí a instituição começou sua atuação no Estado”.

Mais abrangente, advocacia dativa se estrutura e cresce

Ninguém pode ser processado ou julgado sem advogado, mesmo que o envolvido na causa não tenha recursos financeiros para bancar o serviço de assessoramento jurídico. A função da Defensoria Pública é exatamente garantir que a população de baixa renda conte com este serviço. Mas com quadros insuficientes no órgão público, resta aos magistrados nomear um advogado particular para exercer esta função, cujo honorário é pago com recursos da Procuradoria Geral do Estado. É a chamada advocacia dativa, que nos sete primeiros meses deste ano participou de 22 mil procedimentos judiciais no Estado e consumiu cerca de R$ 27 milhões do erário estadual.

Este tipo de expediente está regulamentado por uma lei sancionada pelo governador Ratinho Junior em dezembro de 2015. As inscrições são feitas nas subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 48 comarcas – 30 a mais do que as que dispõem de Defensoria.

Em parceria, a PGE e a OAB organizam a lista de profissionais que ficam disponíveis para a nomeação dos magistrados e estabelecem os valores dos honorários através de uma tabela vinculante, com valores considerados abaixo do mercado, mas ainda assim atraentes, como aponta a demanda crescente. Para constar na lista, o advogado passa obrigatoriamente por uma qualificação oferecida pela Escola Superior de Advocacia da ordem.

“Nas maiores cidades do Estado, como Londrina, há uma procura muito grande para atuação na área criminal, com a defesa de réus que já são detentos. Trata-se de um atendimento típico da Defensoria, mas em função da insuficiência de servidores, acaba sendo feito muitas vezes por advogados particulares”, explica a presidente da OAB Londrina, Vania Regina Silveira Queiroz.

A advogada acredita que o serviço tem se encorpado e se tornado um modelo para outros estados. “Entre 2016 e 2019, tivemos muitos problemas na seleção dos cadastrados. Foram anos de aprendizado para atingir o nível de excelência que temos hoje. A OAB investe no serviço, em softwares de gestão, na contratação de funcionários para organizar a lista e na oferta de cursos gratuitos”, enumera.

“A pandemia impactou no rol de advogados inscritos por dois motivos: o volume de processos cresceu e as dificuldades financeiras dos advogados também”, lembra a presidente da OAB local. “Anos atrás a advocacia dativa era dominada por profissionais menos experientes, hoje não é mais assim. Há advogados de todas as faixas etárias”.

Embora se orgulhe do trabalho da OAB na organização do serviço de atendimento à população de baixa renda, Vânia faz questão de ressaltar que o fortalecimento da Defensoria é defendido pela entidade, que apoia qualquer política pública em favor das garantias dos direitos fundamentais das classes sociais mais desassistidas.

Para associação, falta de investimentos deixou estrutura defasada

Sobre a situação da Defensoria Pública no Paraná, cujo comando é do defensor público-geral Eduardo Pião Ortiz Abraão, a reportagem da Folha ouviu Ana Caroline Teixeira, presidente da Associação das Defensoras Públicas e Defensores Públicos do Paraná (Adepar) e integrante do Conselho Superior, colegiado que tem atribuições deliberativas e consultivas no âmbito do órgão. Graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Curitiba, a defensora trabalhou como advogada e assessora parlamentar na Câmara de Vereadores da capital antes de ser nomeada para o atual cargo em 2016 após aprovação em concurso. Confira a entrevista:

Por que o Paraná é destaque negativo nas pesquisas sobre as defensorias públicas estaduais?

A Defensoria é a principal política pública de acesso à Justiça pela população vulnerável. Esta distorção chama a atenção porque o Paraná tem uma boa saúde financeira. Embora tenha tido um avanço nos últimos anos, os investimentos ainda são pequenos. Nosso orçamento é o menor proporcionalmente à população entre todas as unidades federativas. Portanto, este déficit está relacionado com esta questão orçamentária. Outro aspecto é que a estruturação do órgão foi muita atrasada em relação a outros estados, inclusive com o contingenciamento de recursos para esta finalidade nos primeiros anos de atuação.

Na sua avaliação, o quadro vai melhorar nos próximos anos?

Acreditamos no crescimento da Defensoria Pública, existe esta expectativa. Ao menos não tivemos mais retrocessos orçamentários. Nas comarcas que estamos atuando mostramos a importância do nosso trabalho e como somos imprescindíveis para levar a Justiça à população. Estamos ganhando cada vez mais a confiança da sociedade, ao mesmo tempo que estamos conseguindo sensibilizar as autoridades nos três poderes, o que vai abrir caminho para nosso crescimento. Precisamos que todos fiquem do nosso lado nesta luta de expandir nosso atendimento, tanto no número de comarcas quanto no alcance dentro das comarcas que já contam com o serviço.

Quais são as consequências desta estrutura insuficiente? O que os paranaenses perdem com isso?

A população vulnerável é atingida diretamente, em especial nas regiões mais pobres do Estado. Pela falta de defensores, atuamos apenas nas demandas prioritárias. Muitos paranaenses não tem como buscar seus direitos para ter uma pensão alimentícia, a guarda de um filho, a vaga em uma creche, de assinar um divórcio ou pleitear seus direitos na área da saúde, por exemplo. Muitas vezes, o cidadão socialmente vulnerável não tem uma demanda, tem várias. É muita gente que não tem a quem recorrer para que seus direitos constitucionais sejam garantidos.

Como a pandemia afetou o atendimento dos cidadãos?

Quando a pandemia começou, ficamos muito apreensivos em relação a como os usuários reagiriam ao atendimento exclusivamente remoto. Mas os resultados foram muito positivos, com expansão no número de atendidos. As pesquisas de satisfação que fizemos também apontam que os usuários gostaram do formato online. É verdade também que há uma parcela da população que não consegue por diversas razões acessar o serviço digital e para eles fizemos ações específicas, como foram os casos dos idosos e da população de rua. Percebemos também uma procura maior por questões ligadas à saúde e no direito de permanecer em suas casas, um problema ocasionado pela crise econômica relacionada com a pandemia.

Quais são as maiores dificuldades na rotina de um defensor público?

A insuficiência de defensores. A demanda é muito grande. Mas este fluxo imenso nos mostra também que nosso trabalho está sendo bem feito, que as pessoas, de fato, se sentem acolhidas. É óbvio que ficamos angustiados por não conseguir atender a todos. É muito difícil lidar com isso e com a sobrecarga, com a forte intensidade do trabalho, que invade as noites, os finais de semana, e ainda assim deixar de atender muita gente.

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