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Na mídia: A luta contra os moinhos de vento, por Vitor Eduardo Tavares de Oliveira

Na mídia: A luta contra os moinhos de vento
Por Vitor Eduardo Tavares de Oliveira (Defensor Público do Paraná)

Fonte: Conjur

Era uma vez uma Defensoria Pública criança, que completou dez anos de existência em 2021, sendo uma das últimas Defensorias Públicas estaduais criadas no Brasil. Esse atraso na criação de uma instituição essencial ao sistema de Justiça acarretou prejuízo, principalmente, às pessoas mais necessitadas.

Nesses últimos dez anos, muitas lutas legítimas foram travadas pelos combativos defensores públicos daquele estado da federação, de modo que o acesso à Justiça e a defesa dos direitos dos vulneráveis (sociais, organizacionais, econômicos, jurídicos) foram assegurados e preservados.

Apenas a título de ilustração, essa Defensoria Pública desenvolveu nesses dez anos de criação núcleos temáticos de atuação coletiva (direitos humanos, defesa da mulher, defesa da criança e do adolescente, regularização fundiária e urbana, política criminal), projetos de atendimento à população de rua (defensores nas ruas), projeto de educação em direitos (projeto Jovem Defensor e curso Defensores Populares, em parceria com o Instituto Federal), entre muitas outras atividades que visam à orientação jurídica, integral e gratuita dos grupos mais vulneráveis.

Contudo, ser uma instituição nova e a caçula do sistema de Justiça tem seus reveses, tais como a constante dúvida das pessoas de quem é o defensor público, o desconhecimento e a desconfiança do trabalho defensorial e muitas vezes atitudes hostis dos demais atores do sistema de Justiça.

O ataque a qualquer defensor público em sua atividade defensorial nada mais é que um ataque à instituição que dá acesso dos vulneráveis de toda ordem à Justiça, ou seja, é atacar um dos braços do sistema de Justiça e, com isso, atacar a própria democracia. Não existe Estado democrático no mundo que maniete o direito sagrado de todos se defenderem. Portanto, quem ataca a Defensoria Pública ou o defensor público ataca a democracia e o direito dos mais vulneráveis de serem defendidos por uma instituição forte e eficiente.

Infelizmente, no ano de 2019, essa jovem Defensoria Pública recebeu um forte ataque de uma promotora de Justiça substituta, que oficiou, para que fossem tomadas providências disciplinares, em caráter notoriamente intimidatório, sobre suposta ilegalidade perpetrada por um de seus defensores públicos. Posteriormente, em outro momento, a mesma promotora de Justiça substituta, em caráter nitidamente intimidador, representou na corregedoria daquela Defensoria o outro defensor público que atua na mesma vara do júri, por discordâncias de situações processuais.

O defensor público atacado nada mais fez do que prestar orientação jurídica ao assistido, em liberdade, que estava sendo julgado em sessão do Tribunal do Júri, bem como lhe deu carona para o centro da cidade. Essa conduta foi interpretada como favorecimento pessoal, ou seja, o defensor público teria ajudado na fuga de um acusado que estava em liberdade provisória. Portanto, a promotora de Justiça escreveu no ofício que a conduta de orientar e dar carona teria ocorrido após decisão de prisão preventiva (ou execução provisória da pena), que não existia naquele momentofalseando a verdade dos fatos.

A promotora de Justiça substituta não agiu com a boa-fé processual que se espera de servidores públicos, enviando ofício a vários órgãos do sistema de Justiça relatando suposta prática de crime do defensor público, de maneira que fez um ataque não só ao defensor, mas à defesa pública realizada pela instituição Defensoria Pública.

Em suma, a promotora de Justiça substituta, em ato lamentável, levou a disputa salutar dos plenários dos júris para um ataque pessoal ao defensor público. O incômodo do zeloso trabalho realizado pelos defensores públicos no Tribunal do Júri daquela comarca ensejou esses ataques ao ato de defensoriar.

Outrossim, o Conselho Superior daquela jovem Defensoria Pública absolveu o defensor público de qualquer falta administrativa e aprovou (e publicou no Diário Oficial do último dia 14) nota de desagravo em seu favor: “Como explicitado no procedimento administrativo nº xxxx, o Conselho Superior da Defensoria Pública (…) considera que a afirmação contida nos ofícios encaminhados aos órgãos públicos não é verdadeira, e, ao imputar tal prática ao (…), a referida promotora de justiça o ofendeu de forma injusta. Ademais, tal postura, além de atingir o (…), agride a Defensoria Pública, como instituição autônoma e comprometida com a defesa de seus assistidos e, em última instância, ataca toda defesa na seara criminal”.

Assim, lutar contra a atividade constitucional de defensoriar é uma “luta contra os moinhos de vento” [1], ou seja, contra os inimigos imaginários. “Lutar contra moinhos de vento” foi uma expressão usada por Miguel de Cervantes para descrever situações em que se cria uma percepção errada de um adversário ou de um cenário.

“Lutar com moinhos de vento” tornou-se, desde então, em todas as línguas ocidentais, o paradigma da luta inútil. Lutar contra o direito de defesa, criminalizando os advogados e defensores públicos, é jogar sujo e apelar para estratégias de autoritarismo, incompatíveis com a Constituição de 1988 e com o regime democrático acolhido pelo Brasil.

Portanto, lutas como essa, contra os moinhos de vento, em nada contribuem para o fortalecimento do sistema de Justiça, e são lutas inúteis, pois aquela jovem Defensoria Pública continuará no seu processo de amadurecimento e engrandecimento, que não se deixará abater por ataques da acusação, insatisfeitos com a defesa pública de qualidade que é oferecida naquele Tribunal do Júri.

[1] Referência à obra literária de Miguel de Cervantes, que assevera que o valoroso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha enfrenta 40 combates, vencendo 20 e sendo derrotado nos outros 20.

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